O sólido vazio do amor líquidoO sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, é um dos intelectuais mais respeitados e produtivos da atualidade. O autor escreveu mais de 50 livros, dos quais 20 deles, já foram publicados no Brasil com uma venda superior a 200 mil cópias. Um resultado surpreendente para um teórico.  

Pode-se explicar o apelo de sua obra pela relativa simplicidade com que esmiúça aspectos diversos da “modernidade líquida”, que é seu conceito fundamental. É assim que ele se refere ao momento singular da história em que vivemos.  

“Os tempos são líquidos porque tudo muda tão rapidamente…” Nada é feito para durar, para ser “sólido”. Disso resultam, entre outras questões, a instabilidade e fragilidade dos relacionamentos amorosos. É um mundo volátil, cheio de incertezas e inseguranças, onde cada um está olhando muito para seu próprio “umbigo”. 

O relacionamento líquido se sustenta enquanto o “objeto” trouxer satisfação, leveza e prazer. E quando começa a aparecer desconfortos, o mesmo já é descartado rapidamente e logo se inicia um outro relacionamento. 

O que é o “amor líquido”, segundo o autor?

O amor líquido é um “amor de passagem”, onde o relacionamento amoroso se desenvolve similar aos bens de consumo descartáveis, no caso, o outro como objeto: “mantenha-os, enquanto eles te trouxerem satisfação e, os substitua por aqueles que prometem ainda mais satisfação.” 

A relação amorosa pode terminar a qualquer momento, sem muitas justificativas e explicações. Esta volatilidade das relações é uma característica básica do “amor líquido”. Porém, como consequência, gera muitas sensações e emoções desconfortáveis como angústia, insegurança e ansiedade. 

A solidão produz insegurança – mas o relacionamento não parece fazer outra coisa. Numa relação, você pode sentir-se tão inseguro quanto sem ela, ou até pior. Só mudam os nomes que você dá à ansiedade.

Zygmunt Bauman

Na sua forma “líquida”, a qualidade das relações é substituída pela quantidade – onde a crença da escassez (estou carente, preciso de alguém logo) se mistura, em determinados momentos, com a crença de uma pseudo abundância (tá cheio de gente por aí, é só querer…).  

O sólido vazio do amor líquidoA fragilidade dos relacionamentos amorosos

Os relacionamentos afetivos, assim como tudo na vida atual, estão em grandes movimentos de mudanças contínuas nesta nova era de tantas transitoriedades. 

A descrença e o desencanto de uma relação mais verdadeira e duradoura é muito presente em nossos dias. O objeto do amor se torna ilusoriamente o sentimento do amor e felicidade em si e, no momento que este relacionamento acaba (separação), o amor e a felicidade também se vão. 

Assim, a relação com o sentimento amoroso fica cada vez mais fugaz e descartável, onde o estado do amor não diz respeito ao sujeito que ama (o estado do espírito do Ser), mas somente ao objeto amado: o(a) outro(a), ou seja, o amor torna-se um sentimento descartável. 

Utilizar o amor de uma forma descartável com pouca conexão e envolvimento íntimo é uma forma de proteção para não entrar em contato com a vulnerabilidade, a fragilidade, o desconforto, a tristeza, a rejeição, etc. 

Veja o artigo: O que é o amor? 

Mas será que ainda vale nutrir um amor sólido?

O sólido vazio do amor líquidoEm um mundo líquido, em rápida mutação, os “compromissos para a vida” como o casamento e a convivência compartilhada no mesmo lar, podem se revelar como promessas que não podem ser cumpridas, com verdadeiro desfrute no relacionamento. É fundamental o despertar para uma consciência real e madura sobre a relação amorosa, tratando-a como sagrada e valorosa, ao invés de ser uma obrigação, devido a um compromisso acordado socialmente. 

Caso a busca por uma relação sólida seja proveniente de inseguranças e medos, com o propósito de preencher o roteiro de uma vida feliz, esta relação tenderá irremediavelmente ao insucesso e desistência. 

Nos estudos científicos sobre felicidade e bem-estar, os casais que realmente desenvolvem uma maturidade na relação conjugal são considerados estatisticamente mais felizes e plenos do que os indivíduos que optam por não se relacionar mais intimamente. 

É fundamental ressaltar que a relação amorosa sólida começa sempre na intimidade conosco, através do autoamor, da autoestima, da autocompaixão, etc. 

Veja o artigo: Autocompaixão- você a cultiva? 

Amores líquidos nos tempos atuais

A sociedade atual, ao contrário do século XX, não pensa e não consegue traduzir seus desejos a longo prazo. Uma das grandes responsáveis por este comportamento tão imediatista são as tecnologias que, ao abrir um mundo de possibilidades para o indivíduo, o deixa com um “pseudo controle”, acomodado e condicionado. Esta forma de se relacionar com a era digital reflete diretamente nas relações interpessoais.  

O grande paradoxo do sujeito pós-moderno, carregado de incertezas e inseguranças, é a relação com o “tudo” e o “nada”, ao mesmo tempo. O que se observa são várias pessoas escondidas através da exposição das redes sociais: intimidades compartilhadas, muitos amigos e, ao mesmo tempo, uma grande sensação de vazio e solidão.  

Neste contexto há dois aspectos principais: o primeiro, ligado à vontade de ser livre, de viver sem amarras e apegos; o segundo, corresponde à velocidade, onde tudo é para o “agora”, o que resulta, por consequência, uma grande inconsistência nas relações e perpetua a sensação do vazio. 

Veja o artigo : Medo do vazio .

Relações x Relacionamentos

É tanta gente reclamando como está difícil encontrar alguém que é confuso pensar que haja tantos desencontros. “São milhares de pessoas em busca de relacionamentos sérios para uma grande quantidade de gente solteira e disponível…” então, por que essa equação não fecha? 

O sujeito da sociedade líquida está aberto a encontrar pessoas, mas não a “conhecê-las realmente”. Essa pessoa não cria relacionamento, mas “relações breves”. A resposta é simples: se nós falamos com todos ao mesmo tempo, não damos atenção verdadeira a ninguém. Desta forma, perde-se a singularidade e, o outro, é somente mais um. Fica muito difícil se tornar especial para alguém.  

Veja o artigo: Vicio em satisfação gera insatisfação .

Para conhecer alguém, de verdade, é preciso que haja abertura e disposição. Existe todo um processo de conexão entre o primeiro contato, o ganho de confiança e intimidade, que vão permitindo conhecer cada vez mais a outra pessoa aí, sim, decidir, se vale ou não, aprofundar a relação. Desejar alguém é completamente diferente de estar realmente disposto, a se permitir verdadeiramente para um relacionamento maduro. 

É preciso calma! É preciso tempo… 

Amor é presença. 

Se permita!

Calma e tempo…aspectos essenciais que faltam muito para o sujeito apressado da sociedade líquida que é ansioso demais e quer tudo para “ontem”.  

Mesmo vivendo na sociedade líquida é possível criar amores sólidos, basta querer se abrir verdadeiramente e sempre relembrar que a maior e contínua relação amorosa é com você mesmo(a).  

Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor conduz, ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.
ZYGMUNT BAUMAN 

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