Então, aprendemos a desejar…
Desde o início de nossa vida, temos necessidades essenciais e vitais. Assim, começamos a desenvolver uma conexão com o desejo e buscamos amparo, através do leite materno, do colo da mamãe, do carinho da família, da atenção e do cuidado de todos, da curiosidade crescente em experenciar o novo, etc…
Quando adolescentes, desejamos ainda mais: conquistas em vários níveis, prazer, poder, controle, sucesso, reconhecimento, satisfação, ganhos em jogos e competições, escapismos e distrações de problemas e situações desconfortáveis, etc. Achamos que o desejo é um direito e pleiteamos por isso o tempo todo.
Já adultos, os desejos se materializam de várias formas, na busca incessante por: conquistas materiais, alimentos super saborosos, status, drogas prazerosas, poder, relacionamentos apaixonantes, sexo, consumismo desenfreado.
O desejo faz parte de nossa natureza humana, e é completamente normal desejar. Até no nosso último suspiro de vida, também teremos desejos. Na verdade, não há nada de errado em ter prazer ou desejos. O desvio acontece quando nos identificamos com ele, através do apego, e em vez de termos o domínio da situação, nos tornamos escravos e dependentes deste apego/desejo.
Por exemplo, ao obtermos algo que desejamos, ficamos felizes. A realização deste desejo é a idealização de uma experiência de felicidade. No entanto, tudo é impermanente, esta experiência e sensação terá um fim e, posteriormente, pelo apego à sensação, desejamos reviver aquela pseudo felicidade novamente. Só que este desejo que anseia pela imediata satisfação, cria tensão, angústia, ansiedade e medos. Ficamos, então, presos a uma roda viva de desejos-satisfação-apego-outro desejo...
Todo desejo tem por natureza a falta.
Será que aquilo que tu desejas, vai realmente te preencher e te trazer a tão almejada felicidade?
Qual a sua relação com desejo?
Como percebemos, a questão primordial é entender qual a relação que você tem com o desejo? Você se identifica/se apega? Ou, o oposto, você tem aversão/repressão?
Quando não estamos presentes no “agora”, a mente humana busca caminhos inventivos de satisfação. Caímos na ilusão, projeção, fantasias e ideais, e o desejo é a ferramenta preferida para escaparmos da realidade.
Junto ao desejo, muitas vezes, concomitantemente, vem o medo. A mente humana inventa muitos medos: do fracasso, da perda, da solidão, da escassez, da dor, da rejeição, do vazio, da morte, etc. E uma forma de escapar desses medos é nutrir e se apegar aos desejos. Muitas vezes, o desejo vem para suprir o desconforto destes medos.
A mente ordinária está sempre focada e identificada nestes dois caminhos primordiais: o desejo e o medo, sendo que as emoções e posturas associadas são: ansiedade, insatisfação, angústia, autossabotagem, entre outras.
Outra opção mais criativa: observar o desejo
Quando estamos mais atentos e presentes ao “aqui e agora”, temos a possibilidade de estarmos mais observadores dos pensamentos, sentimentos e emoções que nos rodeiam. Dessa forma, fica mais perceptível percebermos qual a natureza do desejo e como nos relacionamos com ele.
Fique atento: na prática da auto-observação de um hábito, já experienciado várias vezes, é fundamental observar se este hábito desejado nos traz sentido, saúde, paz, ou, se ele é tóxico e nocivo e pode estar se transformando em um vício.
Se, em meio à intensidade do desejo, você simplesmente relaxar, sem remover sua atenção, aquele espaço da mente desenvolve a sabedoria discriminativa. Você não abandona o desejo, apenas desperta para uma percepção mais ampliada e consciente.
A mente extraordinária está focada no despertar da consciência. É uma mente observadora e desapegada com uma visão ampliada do desejo. As emoções e posturas associadas são: fé, compaixão, amor, graça, entre outros.
Mente Ordinária: transita entre desejo e o medo
Mente Extraordinária: transita com a percepção ampliada
Os tipos de desejos
- Se tornar algo maior (ser alguém importante);
- Conquistar algo (chegar lá);
- Satisfação em vários níveis (prazeres);
- Consumismo obsessivo;
- Ser desejado(a);
- Reconhecimento (elogio, notoriedade, diferença);
- Sucesso (fama, popularidade);
- Poder (controle, domínio);
- Status (estar acima, superioridade);
- De largar o negativo (aversão, raiva);
- Destrutividade em vários níveis (instinto de morte).
O caminho para dissolver o desejo não é sobre se identificar com ele, é sobre “reconhecê-lo como tal…
Desejo # Vontade
É muito importante diferenciarmos os conceitos da fugacidade do desejo, da força da vontade.
- O desejo vem do Ego, busca satisfação, prazer imediato, escapismo, é transitório e descartável. Traz preenchimento momentâneo, depois denota o vazio.
- A vontade vem da Essência, conexão com o propósito, o sentido, e a verdade, é profunda e com maior durabilidade. Traz completude e conexão, tem força.
Livre Arbítrio (o desapego do desejo)
Aqui, a grande possibilidade de libertar o apego ao desejo. A liberdade da escolha é um caminho de transcendência e transformação fundamental.
O uso do livre arbítrio é um poder!
O autoconhecimento e a autorresponsabilidade nos trazem a autoria de nossas vidas, e desta forma, através do livre arbítrio, os desejos e apegos não mais controlam as nossas ações.
O desapego do desejo gera a não identificação e a não necessidade da sensação de satisfação. Cria-se o despertar para uma percepção consciente de que este desejo não irá nutrir o que realmente precisa ser nutrido.
Cuidado! Quando o desejo se acentua e torna-se repetido, compulsivo, imediatista e perdemos o controle das ações, a tendência é que esta compulsividade ao desejo se transforme no padrão de um vício.
O Desejo, que gera sofrimento, começa na mente
Muitas vezes, o sofrimento parece ocorrer por causa do objeto do nosso desejo ou aversão, mas realmente não é assim – ele ocorre porque a mente se biparte na dualidade sujeito-objeto e fica envolvida com o “desejar ou não desejar alguma coisa”.
O problema começa quando começamos a classificar as coisas: “Eu gosto disso, logo, eu quero isso”. Igualmente acontece: “Eu não gosto disso, logo, eu não quero isso”.
Se gostamos de alguma coisa, se a queremos e não podemos tê-la, nós sofremos. Se a queremos, a obtemos e depois a perdemos, nós sofremos. Se não a queremos, mas não conseguimos mantê-la afastada, novamente sofremos.
Com frequência, pensamos que o único meio de criar felicidade é tentando controlar as circunstâncias externas da nossa vida, tentando consertar o que nos parece errado ou nos livrar de tudo o que nos incomoda. Mas o verdadeiro problema encontra-se em nossa reação/resposta a estas circunstâncias. “O que temos que mudar é a mente reativa e a maneira como ela vivencia a realidade.”
O maior sofrimento não está no acontecimento em si, mas principalmente, como você reage e interpreta o fato.
Prática de atenção e des-identificação do apego ao desejo
O desejo e o apego não mudam da noite para o dia. Porém, o desejo se torna menos comum, à medida que redirecionamos nossos anseios mundanos para a aspiração de fazer tudo o que está ao nosso alcance para o bem de todos, e não somente para o bem individual.
Portanto, precisamos começar reduzindo nosso foco autocentrado e nossos pensamentos de auto importância. Dessa forma, é fundamental nos recordarmos de que “não somos os únicos no planeta que queremos ser felizes, todos querem!”
No caso do apego, comece examinando qual é o objeto do qual você está apegado. Por exemplo, você encontrou uma pessoa que sente ser sua “alma gêmea”. Você se apega a ela, a deseja profundamente, cria uma dependência profunda e a torna a responsável pela sua felicidade.
Essa pessoa se transforma na causa de sua felicidade. O apego, então, está bem presente aí. No entanto, o maior apego não é no objeto em si, mas sim, em quem você se torna ao lado da posse do objeto. O apego, no caso, seria a uma autoimagem e sensação do que este objeto te proporciona.
Passa-se um tempo, e esta relação começa a ter vários desdobramentos gerando muitas complicações e sofrimentos. A partir daí, começa a surgir dentro de você uma profunda aversão e, aquilo que era a fonte de sua felicidade, agora é a causa de seu sofrimento e infelicidade. Você abomina o outro, mas, principalmente, a autoimagem e sentimento de quem se tornou ao lado dele. Quem é você ao lado desta pessoa?
O sofrimento, portanto, está no apego (desejo) e/ou aversão, oriundas de uma ignorância de quem somos.
Quando as pessoas não encontram um profundo significado para existir, elas se distraem com prazeres momentâneos.
Viktor Frankl