A vergonha é uma emoção muito presente em nossas vidas. Todos nós, certamente, já passamos por situações envergonhadas e, muitas vezes, ainda a vivemos em ambientes sociais e relacionamentos. Se confunde e se mistura com timidez, inadequação, desconexão, falta de presença, medo da rejeição, ansiedade, mente agitada, autocritica, autojulgamento, etc.
Quanto menos trazermos clareza sobre ela, mais ela terá controle sobre nossas vidas e nos impedirá de expressar nossas potências, vontades e quereres. Assim, é fundamental trazermos mais consciência sobre esta emoção.
A vergonha é uma emoção de domínio da autoconsciência, que pode ou não ter manifestações físicas (exs: dificuldades em se expor, se expressar, rubor na face, tremedeiras musculares), seguida de uma sensação de inadequação e/ou desconexão.
Provavelmente, a origem da vergonha, em muitos casos, acontece em nossa infância, ao percebermos e imitarmos nossos pais em sua expressão e também como era a qualidade do acolhimento e recepção que eles ofertavam em relação aos nossos atos inovadores. Se havia atenção, amorosidade e reconhecimento, acontecia a liberdade de expressão e nos tornávamos até “crianças sem-vergonha”, ou caso, fossemos reprimidos em nossa expressão, ocorria o surgimento da vergonha e timidez.
A vergonha, então, se situa num estado interno entre a baixa autoestima, autodesvalorização e desconexão da presença. O tema da vergonha se traduz no medo de perder o vínculo, de sermos julgados, de perdermos a conexão, o amor, a relação existente.
Perguntinha básica:
Você tem vergonha do que ??
A vergonha da nudez
A vergonha se desenvolve através de crenças limitantes, dogmas, hábitos enraizados, valores da sociedade e afins.
A vergonha da nudez, por exemplo, começou na crença do pecado vinda das religiões, visto o tema de Adão e Eva, e o conceito de Bem e Mal. Podemos interpretar aqui, a perda da naturalidade e espontaneidade, no momento em que abdicamos de nossa nudez (essência que somos) e precisamos nos cobrir.
E assim, aprendemos a nos esconder, nos disfarçar, nos maquiar e viver as “personas” sociais para sermos aceitos e amados, adequados ao sistema vigente.
Esta emoção pode ser despertada por um fator ou acontecimento exterior, que nos embaraça ou pela nossa própria percepção de que somos inadequados ou desajustados, face a uma determinada tarefa, gerando uma sensação de incapacidade e não realização.
Autoimagem distorcida
A partir das situações do passado, vamos criando nossa identidade e o Ego vai se fortalecendo e, na maioria das vezes, nossos pensamentos e ideias sobre quem somos e expressamos na vida (autoconceito), tende a ser muito distorcida e, muitas vezes, também destrutiva, levando à baixa estima e à desvalorização.
A vergonha é muitas vezes confundida com a culpa, uma emoção que pode ser sentida pela percepção de que algo que foi feito, possa ter magoado o outro ou prejudicado alguém de alguma forma, havendo muitas vezes uma necessidade (que passa ou não à ação) de pedir desculpas.
Já a vergonha, muitas vezes, remete a uma não expressão de potências de quem somos e estamos, sendo mais internalizada no seu impacto do ponto de vista emocional.
Esta emoção pode ser ainda “mascarada” quando as pessoas não sabem o que fazer para lidar com ela, e se sentem inadequadas e incapazes (autoimagem distorcida).
A criança, como ainda não tem o Ego formado, tende a ser mais “sem vergonha” e se expressa livremente sem autojulgamento e autocritica. Por exemplo, nas artes: canta, dança, toca, pinta, etc, sem a expectativa de um resultado ou uma performance excelente.
Inadequação
Sentir vergonha acontece com muitas pessoas, em vários contextos, graus ou momentos de vida. A dificuldade começa a existir quando a vergonha impede que a pessoa se sinta bem durante bastante tempo ou que comece a evitar situações, lugares ou pessoas porque se sente envergonhada ou com medo de se sentir inadequada ou vulnerável.
A antecipação de sentir vergonha causa, muitas vezes, sintomas de ansiedade, motivo pelo qual muitas pessoas acabam por se focar no tratamento destes sintomas sem ir às situações ou emoções de base que as originaram.
Bullying
É muito comum nas crianças vítimas de bullying (que desenvolvem sentimentos fortíssimos de inadequação e inferioridade) sentirem uma ansiedade enorme e começarem a recusar a ida ao contexto em que o bullying acontece.
Ao mesmo tempo, as próprias crianças bullies, que inferiorizam os outros e os atacam, podem também projetarem a própria vergonha sentida nos outros contextos. Nesse caso, são elas as vítimas, porque nunca tiveram espaço para serem também entendidas ou respeitadas.
Se as crianças não são tão comunicativas, expressivas ou efusivas como os adultos acham que elas deveriam ser, não será um caminho saudável apontar em público essa dificuldade, como um rótulo: “ele/a é envergonhado”.
Áreas da vida em que temos vergonha:
- Aparência e imagem corporal
- Dinheiro e trabalho
- Maternidade/paternidade
- Família
- Criação de filhos
- Saúde mental e física
- Vícios
- Sexo
- Velhice
- Religião
- Traumas
- Estigmas ou rótulos
Dor da vergonha
Buscamos atenção, aceitação social, conexão e quando a vergonha surge acontece o oposto, temos a sensação de não sermos amados, acolhidos, aceitos. Acreditamos que somos defeituosos e incapazes e não somos merecedores de amor.
Pode ocorrer também a tendência ao isolamento, ao autoabandono, tristeza e até depressão, em casos mais graves. Existe a chance de se criar comportamentos autodestrutivos, escapistas e compulsivos como compulsões, consumismo desenfreado, uso de álcool e drogas, etc.
Como lidar com a vergonha
O primeiro passo para superar esta dor é a aceitação da dificuldade e a percepção da crença limitante desenvolvida e da autoimagem distorcida. O autoconhecimento, a terapia e a meditação são ferramentas fundamentais para a dissolução da vergonha.
Desenvolver a autoestima através da auto segurança, autoaceitação e permissão interna para se expressar e poder “falhar” são passos fundamentais para o processo de uma expressão criativa e curadora.
É fundamental também, poder compartilhar e expressar para outras pessoas de confiança este tema da vergonha e, assim, poder receber empatia e acolhimento, entendendo que não é somente você que vive este desconforto.
E, ao mesmo tempo, é fundamental poder melhorar a “comunicação interna” consigo (self talk) e não criar mais pensamentos rígidos, críticos de autojulgamento e autocobrança, desenvolvendo uma permissão para Ser/Estar o que tiver de ser.
Você já é o que sua existência quer que você seja,
portanto, relaxe e se expresse.
Seja você!